Mudanças normalmente vem acompanhada de um sentimento de desconforto. Foi o que muitos leitores da Marvel de longa data sentiram nos últimos anos, quando seus heróis favoritos foram sendo aos poucos substituídos por versões mais jovens que possuíam como tarefa continuar seu legado. Alguns obtiveram sucesso, mas outros, nem tanto.

Marvel Legado (2017) / Marvel Comics

Em 2011, o escritor Brian Michael Bendis chocou seus leitores ao matar Peter Parker. Não era o amigão da vizinhança que todos conheciam, mas uma versão alternativa do herói que ele havia concebido e desenvolvido durante onze anos. Poderia não ser o cabeça de teia original, porém continuava sendo surpreendente a morte de um personagem. Sua versão mais jovem e ousada do herói  atraiu novos leitores e reacendeu a paixão em antigos fãs. Contudo, o ponto mais alto dessa trama ainda não havia chegado, pois não era apenas uma história sobre fim, mas sim de nascimento e recomeço, porque dali em diante todos passariam a conhecer Miles Morales, o Homem-Aranha, primeiro de uma era de legados.

Passagem de manto não é algo novo, durante anos personagens foram substituídos por novas versões. James Rhodes foi o Homem de Ferro, Thor Odinson já deixou de ser o Deus do Trovão com Eric Masterson assumindo seu lugar e Bucky Barnes foi o Capitão América durante um período em que Steve Rogers se encontrava “morto”.

Porém, por mais antiga que a ideia de legado fosse dentro da Marvel, nunca até então ela havia acontecido de maneira tão grande que não só um ou dois personagens estivessem ganhando possíveis sucessores, mas dezenas deles.

Marvel Now 2.0! (2017) / Marvel Comics

Um fenômeno recorrente nos quadrinhos é o  uso do espelho, que leva alguns personagens a terem versões diferentes, sejam jovens, velhos ou de gênero diferente ao original. O Homem-Aranha é um dos que mais afetados por essas múltiplas identidades. Mulher-Aranha, Garota-Aranha, Aranha Escarlate e mais um universo inteiro de pessoas aranha.

Mas de que forma os heróis legado se encaixam nessa história? Diferente dos espelhos, a geração que veio seguida por Miles eram cotados para serem personagens de primeiro escalão. Presenças constantes em grandes histórias, estavam sempre em evidência. O maior problema que certos leitores viram com o holofote que os novos personagens recebiam foi sentirem que não seria possível existir espaço para coexistência do velho e novo.

As mudanças foram acontecendo em uma grande velocidade, personagens iam morrendo ou passando suas alcunhas para novatos, e grupos de leitores mais antigos não aceitaram bem as mudanças. Até  mesmo para os mais novos não era possível processar tudo que estava ocorrendo de uma única vez.

Em um curto período Bruce Banner havia perdido seus poderes e foi assassinado, Tony Stark entrava em coma após uma segunda Guerra Civil de heróis  e Steve Rogers se tornava o símbolo do Nazismo. Informações demais em um breve espaço de tempo.

Não dá para descartar que se todos esses eventos acontecessem de forma mais planejada e duradoura, teriam sido muito melhor digeridos pelo público, mas alguns pareciam ocorrer como forma de criar situações polêmicas para estar em alta na mídia, criando um ciclo de 15 minutos de atenção acompanhada por desprezo.

Guerra Civil II (2016) / Marvel Comics

Parte do problema que surgiu em seguida foi a forma pouco trabalhada que muitos desses novos heróis tiveram para serem apresentados e desenvolvidos. Sam Wilson (Capitão América) e X-23 (Wolverine) assumiram identidades consagradas muito repentinamente e acabaram seguidos de uma grande rejeição. Com retorno das versões  originais, logo perderam espaço e voltaram às suas antigas alcunhas quase caindo no esquecimento.

Mas como Miles foi tão bem aceito? Não foi. Logo após o anúncio, boa parte da repercussão foi negativa. Era difícil para os leitores aceitarem que Peter Parker, mesmo que uma versão alternativa, havia sido morto para que um novo alguém tomasse sua identidade. 

Mas como Miles se tornou tão popular como é hoje, sendo até mesmo protagonista  de uma animação vencedora do Oscar? Persistência.

Por mais complicado que seja conseguir o gosto dos leitores, desenvolver a ideia sem o imediatismo funciona mesmo que gere gasto de tempo. Jason Aaron tornou Thor indigno e deu seu martelo para Jane Foster ser A Thor, uma personagem que sofreu com repressão no seu início, mas com o decorrer dos anos e seu desenvolvimento, ganhou a admiração da maior parte do público.

Capa de The Mighty Thor #01 (2015) / Marvel Comics

É duro culpar os heróis legado como se eles fossem o principal erro. Mesmo os exemplos que deram certo não possuem 100% de aceitação. Antigos leitores podem não se satisfazer com os novos personagens, mas costumam ser os mesmos que alegam a falta de criatividade e reciclagem de histórias que acontece a anos. A Marvel percebeu que cedo ou tarde o consumidor de quadrinhos deve ser renovado ou não existirá futuros leitores. O cinema tem ajudado a atrair uma nova geração, mas os fãs desse segmento são muito mais apegados aos atores que interpretam os personagens do que aos heróis em si. Para manter a franquia cinematográfica por mais anos será necessário uma renovação de atores acompanhados de novos histórias, por conta disso, a linha editorial da Casa das Ideias tem se ajustado ao máximo para que continue sendo ela a suprir esse material.

Saber moderar as mudanças para que não se perca o leitor que já a acompanha há décadas é algo que não foi muito bem feito nos primeiros anos, contudo, a Marvel tem trabalhado em corrigir as falhas das primeiras tentativas e seguir os exemplos que deram certo, deixando seus autores desenvolverem melhor suas ideias, fazendo-os trabalhar em escala menor com os personagens até que ele possa alcançar picos maiores, mantendo ao mesmo tempo seus antigos heróis nos holofotes como forma de segurar seus leitores mais antigos até que seu legado possa ser feito em “definitivo”.